Há cerca de um ano, quando aqui escrevi sobre “Catedral” tive comentários tão interessantes e tantas abordagens ao livro “O Que Sabemos do Amor” de Raymond Carver, que ficou uma vontade, quase promessa pessoal, de que o teria de ler num futuro próximo.
Foi o que fiz, numa altura em que o tempo disponível é escasso e a cabeça pede férias.
“O Que Sabemos do Amor” é a versão integral do livro “De Que Falamos Quando Falamos de Amor”, facto explicado em detalhe no início e nas Notas finais de “O Que Sabemos do Amor” (aqui, em cada um dos 17 contos, podemos ver o muito que Gordon Lish cortou na versão por si editada, chegando até, em dois casos, aos 78%).
Apesar de serem contos e de cada um ter a sua história, todos têm algo em comum: passam-se nos Estados Unidos, falam de relações humanas, de sentimentos e há uma forte abordagem ao alcoolismo e ao acto de beber. Carver explora o assunto da bebida como ainda não li em nenhum outro autor, colocando-o no mesmo patamar de importância que a trama, propriamente dita. A bebida, o gelo, o copo, cada dose que é servida e tomada, tudo é pormenorizadamente descrito. Ao ponto de, no conto “Principiantes” (como o título original deste livro “Beginners”), numa conversa entre quatro amigos com muito gin tónico à mistura, percebermos a transição do estado de sobriedade para um grau de alcoolemia através do diálogo difuso, repetido e até enfadonho, com quebras de raciocínio e mudanças bruscas do estado de humor.
Devo admitir que esta segunda experiência na literatura de Raymond Carver me marcou mais do que a primeira. Houve contos que me prenderam até à última página apesar de um ou outro me deixar com sabor amargo e sem respostas para as questões levantadas, depois de lidas tantas páginas.
O balanço é positivo e, como escritor de contos, Raymond Carver está aprovado.
Pena que nunca tenha ensaiado escrever um romance, porque certamente o faria muito bem (isso é o que eu penso, claro).
Já não sei dizer em que livro de H.M. é que fui buscar tal informação, mas lembro-me que na altura, vasculhei um ou dois sites de conhecidos livreiros e não encontrei nenhum livro deste autor americano, editado em português.
Foi na badana de “O Sentido do Fim” de Julian Barnes, que descobri finalmente, dois títulos traduzidos de Raymond Carver. Na última Feira do Livro do Porto, comprei-os.
“O Que Sabemos Do Amor” eu sabia que era uma compilação de contos, género literário que não aprecio particularmente; "Catedral” era uma incógnita, mas decidi arriscar.
Recentemente comecei a lê-lo. Gostei do que pensei ser o 1º capítulo e até guardei expectativas favoráveis sobre o livro.
Quando li o 2º e verifiquei que não tinha qualquer ligação com o 1º, estranhei, mas alimentei uma pequena esperança de que se tratasse apenas de uma característica que estou habituada a ver nalguns livros de Murakami e que muito me agrada: duas histórias, aparentemente diferentes, contadas alternadamente entre capítulos.
Ao chegar ao 3º capítulo, concluí que tinha nas mãos um livro de contos e fiquei desiludida. Para digerir essa desilusão recorri a Gabriel García Márquez, em “O Veneno da Madrugada”, que passou a ser a minha leitura principal.
Regressei a “Catedral”, titulo do livro e também nome do 12º e último conto desta compilação.
O que ficou? Está muito bem escrito e os contos são criativos e diversificados. A maioria destas pequenas narrativas é como se ensinasse uma lição mas também há algumas que deixam uma sensação de final brusco, como se faltasse acrescentar algo...
São histórias sobre coisas do quotidiano: o divórcio, o alcoolismo, a perda de um filho...
Achei curiosa a pequena referência ao “Coronel Sanders”, emblemática personagem da cadeia de fast food "KFC”, mas também de “Kafka à Beira-Mar”.
Muitas vezes questiono como é que Murakami se lembra de tão mirabolantes personagens, cenários e contextos. O Coronel Sanders talvez tenha sido inspirado em Raymond Carver?! Não sei.
O que sei é que Murakami me continua a surpreender, mesmo quando escreve contos. Raymond Carver, nem por isso.
55ª exposição internacional de arte
museu nacional soares dos reis
projecto arte de portas abertas
quantas madrugadas tem a noite