Quando li esta passagem de “Os Anos”, lembrei-me de “o apocalipse dos trabalhadores”. Não que a escrita e a narrativa tenham algo a ver... Não, de todo, mas porque os livros têm o poder de deixar boas recordações e, de repente, associamos episódios de escritas que, à partida, são completamente distintas.
Há personagens marcantes. Por exemplo: em Crosby, de Virginia woolf, vi maria da graça, de Valter Hugo Mãe.
“Os Anos”, de Virginia Woolf “o apocalipse dos trabalhadores”, de Valter Hugo Mãe
Interessante, não?
Salvaguardando, claro!, as devidas distâncias temporais e o "peso" de cada um dos escritores.
- “Da autora só tenho este” – e mostrou-me “Os Anos”.
- Esse, já tenho. Ando a lê-lo.
- “O que acha?... Confuso, não é?”, disse com um sorriso um tanto ou quanto inigmático.
- Estou a adorar, respondi.
- “Humm, li-o com muitas interrupções, se calhar foi isso...”
- Pois, é um livro que requer concentração e uma certa regularidade na leitura, caso contrário é fácil perder o fio à meada.
Este foi o diálogo que tive há dias com um livreiro da bancada da Presença, na Feira do Livro do Porto.
De facto, “Os Anos”, de Virginia Woolf, não é um livro fácil e sai ligeiramente do âmbito a que estamos habituados a ler nos romances tradicionais, mesmo nos clássicos, que tantas vezes surpreendem pela criatividade.
Os capítulos são compartimentados em anos: 1880, 1891, 1907, 1908, 1910, 1911, 1913, 1914, 1917, 1918, TEMPO PRESENTE. Embora desconhecendo a correspondência do tal “Tempo Presente” a que Virginia Woolf se refere, pela idade das personagens deduz-se que rondará o final da década de 30, início da de 40.
Ora, nestas quase quatrocentas páginas, temos um jorro de acontecimentos: num capítulo, conhecemos personagens, no outro, elas já morreram e destacam-se as gerações seguintes; passamos de personagens em tempos de criança para a idade adulta e velhice. O ritmo é aceleradíssimo, ou não houvesse “saltos” de décadas em alguns capítulos seguidos, como é o caso dos dois primeiros (complicado, de facto).
Na história, os maiores detalhes que a escritora oferece estão nos cenários, nas envolvências da narrativa e descreve-os de uma forma quase poética, um encanto. Estas descrições, ao contrário das de outros livros, não são nada monótonas mas sim a alma do romance.
Quanto às personagens e às suas histórias, Virgina Woolf dá apenas algumas pistas ao leitor, não aprofundando nem oferecendo informação em demasia, como se de uma receita se tratasse. Quantidades “qb”, já que bastam como fio condutor do enredo para conhecer as personagens e ligações entre elas.
A forma como a escritora expõe, é de mestre. Uma mera frase de um (poder-se-ia pensar) banal diálogo entre duas personagens transmite uma mensagem chave, fundamental para perceber a lacuna de tempo que não foi narrada ou o pormenor que não foi explicado.
Uma leitura que requer atenção e uma certa disciplina, compromissos que compensam bem, face ao resultado que esta escrita de génio nos proporciona.
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