O velho ditado que diz “primeiro estranha-se, depois entranha-se” é um bom exemplo da adaptação desta sabedoria popular a situações do quotidiano. No meu testemunho mais recente, o provérbio enuncia com clareza o que me aconteceu com o livro “Quantas Madrugadas Tem a Noite”, de Ondjaki.
Até há poucos meses, Ondjaki não fazia parte da lista de autores que eu conhecia. Foi por mero acaso, num zapping, que uma mesa recheada de livros, uma parede de fundo a condizer e uma entrevista a sustentá-las me prenderam a atenção e me fizeram ficar a assistir àquele programa televisivo. O entrevistado, fiquei a saber, era Ondjaki, um escritor angolano jovem, simpático, de retórica fluente e interessante.
Gostei da forma como Ondjaki descreveu episódios da vida ligados ao seu percurso literário e outros relacionados com livros que escreveu, já editados.
Mas o ponto mais alto da entrevista foi quando revelou que “Cem Anos de solidão” era o seu livro predilecto. Tal e qual como o meu. Por isso quando a seguir referiu “A Náusea” de Jean Paul Sartre, como outro dos seus livros de eleição, coloquei-o de imediato na lista de prováveis leituras, da mesma maneira que no final do programa, juntei “Ondjaki” ao meu rol de potenciais autores, sem lhe associar um título.
“Quantas Madrugadas Tem a Noite” está acabadinho de ler...
A estranheza inicial que mencionei, prende-se com a linguagem usada por Ondjaki neste livro. Estamos perante uma narrativa contada na primeira pessoa, recheada de dialecto, gíria, calão e até erros ortográficos. Tudo propositado, claro! e a fazer muito sentido - é que nem consigo imaginar o livro escrito de outra forma -.
No final há um Glossário que, diga-se de passagem, é perfeitamente dispensável para se entender o texto.
O narrador, personagem principal do livro, conta a "avilo" (amigo; companheiro) a história do defunto AdolfoDido cujo corpo foi roubado. Uma história com muitos parêntesis pelo meio onde encaixam outras histórias, "os eteceteras que sempre aparecem no meio duma conversa humana", como o próprio narrador diz. Tudo bem regado por "mais uma birra" (cerveja) à custa do "avilo".
“Quantas Madrugadas Tem a Noite” mistura humor, poesia e suspense.
Um romance hilariante com personagens sui generis, como o anão BurkinaFaçam, o albino Jaí ou a KotaDasAbelhas.
Poucas foram as páginas em que não sorri e houve até algumas que me proporcionaram boas gargalhadas.
Um livro divertidíssimo, bem escrito e muito fora do tradicional, leve mas penetrante, de um nome a reter.
55ª exposição internacional de arte
museu nacional soares dos reis
projecto arte de portas abertas
quantas madrugadas tem a noite