Já não sei dizer em que livro de H.M. é que fui buscar tal informação, mas lembro-me que na altura, vasculhei um ou dois sites de conhecidos livreiros e não encontrei nenhum livro deste autor americano, editado em português.
Foi na badana de “O Sentido do Fim” de Julian Barnes, que descobri finalmente, dois títulos traduzidos de Raymond Carver. Na última Feira do Livro do Porto, comprei-os.
“O Que Sabemos Do Amor” eu sabia que era uma compilação de contos, género literário que não aprecio particularmente; "Catedral” era uma incógnita, mas decidi arriscar.
Recentemente comecei a lê-lo. Gostei do que pensei ser o 1º capítulo e até guardei expectativas favoráveis sobre o livro.
Quando li o 2º e verifiquei que não tinha qualquer ligação com o 1º, estranhei, mas alimentei uma pequena esperança de que se tratasse apenas de uma característica que estou habituada a ver nalguns livros de Murakami e que muito me agrada: duas histórias, aparentemente diferentes, contadas alternadamente entre capítulos.
Ao chegar ao 3º capítulo, concluí que tinha nas mãos um livro de contos e fiquei desiludida. Para digerir essa desilusão recorri a Gabriel García Márquez, em “O Veneno da Madrugada”, que passou a ser a minha leitura principal.
Regressei a “Catedral”, titulo do livro e também nome do 12º e último conto desta compilação.
O que ficou? Está muito bem escrito e os contos são criativos e diversificados. A maioria destas pequenas narrativas é como se ensinasse uma lição mas também há algumas que deixam uma sensação de final brusco, como se faltasse acrescentar algo...
São histórias sobre coisas do quotidiano: o divórcio, o alcoolismo, a perda de um filho...
Achei curiosa a pequena referência ao “Coronel Sanders”, emblemática personagem da cadeia de fast food "KFC”, mas também de “Kafka à Beira-Mar”.
Muitas vezes questiono como é que Murakami se lembra de tão mirabolantes personagens, cenários e contextos. O Coronel Sanders talvez tenha sido inspirado em Raymond Carver?! Não sei.
O que sei é que Murakami me continua a surpreender, mesmo quando escreve contos. Raymond Carver, nem por isso.
Quando as leituras anteriores deixam algo a desejar ou o estado de espírito não é dos melhores, agarro-me a Gabriel García Márquez ou Haruki Murakami, com a certeza de não haver desilusão.
Desta vez fui "ao fundo da estante" para desenterrar a 2ª edição de "O Veneno da Madrugada", publicado pela "Colecção Século XX" da Europa-América. Este romance deu a GGM o Grande Prémio do Romance Colombiano e foi já um prelúdio para as grandes obras que se seguiram e que culminaram com "Cem Anos de Solidão", obra-prima que lhe valeu o Nobel da Literatura.
A história de "O Veneno da Madrugada" desenrola-se à volta dos pasquins que misteriosamente são colocados porta a porta, durante a noite e que deixam as pessoas assustadas com o que poderá ser denunciado, já que, à excepção dos muito pobres, ninguém está a salvo das revelações desses malfadados papéis que desencadeiam crimes e muita agitação.
O escritor já menciona Macondo, introduz personagens como o Padre Ángel, o coronel Aureliano Buendía e a Mamã Grande, figuras que o acompanharão nas publicações posteriores, nomeadamente em "Cem Anos de Solidão".
Uma vez mais a criatividade, o apurado sentido de humor, as frases assertivas dos diálogos e a escrita fantástica do génio, não desiludiram.
Numa altura em que a comunicação social anunciou a sua "perda de memória" e consequente paragem na escrita, esta leitura, que nem programada havia sido, acaba por ser uma pequena homenagem ao grande romancista nascido na Colômbia, figura maior do panorama literário do século XX, tábua de salvação quando os títulos a ler não apetecem, porque as férias são precisas ou simplesmente porque não.
Bonita, não é?
O velho ditado que diz “primeiro estranha-se, depois entranha-se” é um bom exemplo da adaptação desta sabedoria popular a situações do quotidiano. No meu testemunho mais recente, o provérbio enuncia com clareza o que me aconteceu com o livro “Quantas Madrugadas Tem a Noite”, de Ondjaki.
Até há poucos meses, Ondjaki não fazia parte da lista de autores que eu conhecia. Foi por mero acaso, num zapping, que uma mesa recheada de livros, uma parede de fundo a condizer e uma entrevista a sustentá-las me prenderam a atenção e me fizeram ficar a assistir àquele programa televisivo. O entrevistado, fiquei a saber, era Ondjaki, um escritor angolano jovem, simpático, de retórica fluente e interessante.
Gostei da forma como Ondjaki descreveu episódios da vida ligados ao seu percurso literário e outros relacionados com livros que escreveu, já editados.
Mas o ponto mais alto da entrevista foi quando revelou que “Cem Anos de solidão” era o seu livro predilecto. Tal e qual como o meu. Por isso quando a seguir referiu “A Náusea” de Jean Paul Sartre, como outro dos seus livros de eleição, coloquei-o de imediato na lista de prováveis leituras, da mesma maneira que no final do programa, juntei “Ondjaki” ao meu rol de potenciais autores, sem lhe associar um título.
“Quantas Madrugadas Tem a Noite” está acabadinho de ler...
A estranheza inicial que mencionei, prende-se com a linguagem usada por Ondjaki neste livro. Estamos perante uma narrativa contada na primeira pessoa, recheada de dialecto, gíria, calão e até erros ortográficos. Tudo propositado, claro! e a fazer muito sentido - é que nem consigo imaginar o livro escrito de outra forma -.
No final há um Glossário que, diga-se de passagem, é perfeitamente dispensável para se entender o texto.
O narrador, personagem principal do livro, conta a "avilo" (amigo; companheiro) a história do defunto AdolfoDido cujo corpo foi roubado. Uma história com muitos parêntesis pelo meio onde encaixam outras histórias, "os eteceteras que sempre aparecem no meio duma conversa humana", como o próprio narrador diz. Tudo bem regado por "mais uma birra" (cerveja) à custa do "avilo".
“Quantas Madrugadas Tem a Noite” mistura humor, poesia e suspense.
Um romance hilariante com personagens sui generis, como o anão BurkinaFaçam, o albino Jaí ou a KotaDasAbelhas.
Poucas foram as páginas em que não sorri e houve até algumas que me proporcionaram boas gargalhadas.
Um livro divertidíssimo, bem escrito e muito fora do tradicional, leve mas penetrante, de um nome a reter.
55ª exposição internacional de arte
museu nacional soares dos reis
projecto arte de portas abertas
quantas madrugadas tem a noite