Este tema contém 39 referências musicais, conseguem descobri-las?
O video ajuda.
(Não vale ver o resultado antes de tentar :-)
Bom fim-de-semana!
Continuação do que aqui escrevi há dias e já foi comentado, relativamente ao novo A.O..
O texto que se segue não é da minha autoria mas de Teolinda Gersão, a escritora Portuguesa que conheceu Moçambique e de quem li, há muitos anos, “A Árvore das Palavras”, livro que me marcou e que nunca mais esqueci.
“Tempo de exames no secundário, os meus netos pedem-me ajuda para estudar português. Divertimo-nos imenso, confesso. E eu acabei por escrever a redacção que eles gostariam de escrever. As palavras são minhas, mas as ideias são todas deles.
Aqui ficam, e espero que vocês também se divirtam. E depois de rirmos espero que nós, adultos, façamos alguma coisa para libertar as crianças disto.
Redacção – Declaração de Amor à Língua Portuguesa
Vou chumbar a Língua Portuguesa, quase toda a turma vai chumbar, mas a gente está tão farta que já nem se importa. As aulas de português são um massacre. A professora? Coitada, até é simpática, o que a mandam ensinar é que não se aguenta. Por exemplo, isto: No ano passado, quando se dizia “ele está em casa”, ”em casa” era o complemento circunstancial de lugar. Agora é o predicativo do sujeito. “O Quim está na retrete” : “na retrete” é o predicativo do sujeito, tal e qual como se disséssemos “ela é bonita”. Bonita é uma característica dela, mas “na retrete” é característica dele? Meu Deus, a setôra também acha que não, mas passou a predicativo do sujeito, e agora o Quim que se dane, com a retrete colada ao rabo.
No ano passado havia complementos circunstanciais de tempo, modo, lugar etc., conforme se precisava. Mas agora desapareceram e só há o desgraçado de um “complemento oblíquo”. Julgávamos que era o simplex a funcionar: Pronto, é tudo “complemento oblíquo”, já está. Simples, não é? Mas qual, não há simplex nenhum,o que há é um complicómetro a complicar tudo de uma ponta a outra: há por exemplo verbos transitivos directos e indirectos, ou directos e indirectos ao mesmo tempo, há verbos de estado e verbos de evento,e os verbos de evento podem ser instantâneos ou prolongados, almoçar por exemplo é um verbo de evento prolongado (um bom almoço deve ter aperitivos, vários pratos e muitas sobremesas). E há verbos epistémicos, perceptivos, psicológicos e outros, há o tema e o rema, e deve haver coerência e relevância do tema com o rema; há o determinante e o modificador, o determinante possessivo pode ocorrer no modificador apositivo e as locuções coordenativas podem ocorrer em locuções contínuas correlativas. Estão a ver? E isto é só o princípio. Se eu disser: Algumas árvores secaram, ”algumas” é um quantificativo existencial, e a progressão temática de um texto pode ocorrer pela conversão do rema em tema do enunciado seguinte e assim sucessivamente.
No ano passado se disséssemos “O Zé não foi ao Porto”, era uma frase declarativa negativa. Agora a predicação apresenta um elemento de polaridade, e o enunciado é de polaridade negativa.
No ano passado, se disséssemos “A rapariga entrou em casa. Abriu a janela”, o sujeito de “abriu a janela” era ela, subentendido. Agora o sujeito é nulo. Porquê, se sabemos que continua a ser ela? Que aconteceu à pobre da rapariga? Evaporou-se no espaço?
A professora também anda aflita. Pelo vistos no ano passado ensinou coisas erradas, mas não foi culpa dela se agora mudaram tudo, embora a autora da gramática deste ano seja a mesma que fez a gramática do ano passado. Mas quem faz as gramáticas pode dizer ou desdizer o que quiser, quem chumba nos exames somos nós. É uma chatice. Ainda só estou no sétimo ano, sou bom aluno em tudo excepto em português, que odeio, vou ser cientista e astronauta, e tenho de gramar até ao 12º estas coisas que me recuso a aprender, porque as acho demasiado parvas. Por exemplo, o que acham de adjectivalização deverbal e deadjectival, pronomes com valor anafórico, catafórico ou deítico, classes e subclasses do modificador, signo linguístico, hiperonímia, hiponímia, holonímia, meronímia, modalidade epistémica, apreciativa e deôntica, discurso e interdiscurso, texto, cotexto, intertexto, hipotexto, metatatexto, prototexto, macroestruturas e microestruturas textuais, implicação e implicaturas conversacionais? Pois vou ter de decorar um dicionário inteirinho de palavrões assim. Palavrões por palavrões, eu sei dos bons, dos que ajudam a cuspir a raiva. Mas estes palavrões só são para esquecer. Dão um trabalhão e depois não servem para nada, é sempre a mesma tralha, para não dizer outra palavra (a começar por t, com 6 letras e a acabar em “ampa”, isso mesmo, claro.)
Mas eu estou farto. Farto até de dar erros, porque me põem na frente frases cheias deles, excepto uma, para eu escolher a que está certa. Mesmo sem querer, às vezes memorizo com os olhos o que está errado, por exemplo: haviam duas flores no jardim. Ou : a gente vamos à rua. Puseram-me erros desses na frente tantas vezes que já quase me parecem certos. Deve ser por isso que os ministros também os dizem na televisão. E também já não suporto respostas de cruzinhas, parece o totoloto. Embora às vezes até se acerte ao calhas. Livros não se lê nenhum, só nos dão notícias de jornais e reportagens, ou pedaços de novelas. Estou careca de saber o que é o lead, parem de nos chatear. Nascemos curiosos e inteligentes, mas conseguem pôr-nos a detestar ler, detestar livros, detestar tudo. As redacções também são sempre sobre temas chatos, com um certo formato e um número certo de palavras. Só agora é que estou a escrever o que me apetece, porque já sei que de qualquer maneira vou ter zero.
E pronto, que se lixe, acabei a redacção – agora parece que se escreve redação. O meu pai diz que é um disparate, e que o Brasil não tem culpa nenhuma, não nos quer impôr a sua norma nem tem sentimentos de superioridade em relação a nós, só porque é grande e nós somos pequenos. A culpa é toda nossa, diz o meu pai, somos muito burros e julgamos que se escrevermos ação e redação nos tornamos logo do tamanho do Brasil, como se nos puséssemos em cima de sapatos altos. Mas, como os sapatos não são nossos nem nos servem, andamos por aí aos trambolhões, a entortar os pés e a manquejar. E é bem feita, para não sermos burros.
E agora é mesmo o fim. Vou deitar a gramática na retrete, e quando a setôra me perguntar: Ó João, onde está a tua gramática? Respondo: Está nula e subentendida na retrete, setôra, enfiei-a no predicativo do sujeito.
João Abelhudo, 8º ano, turma C (c de c…r…o, setôra, sem ofensa para si, que até é simpática)”
Perguntar-me-ão porque é que não esqueci o livro “A Árvore das Palavras”. É simples: ensinou-me a perceber porque é que quem nasceu ou viveu em África continua com imensas saudades dos tempos felizes lá passados e que, por estranho que pareça, eram tempos de liberdade e convivência sã.
Um livro simples mas extraordinário, uma escrita sem truques mas cativante, uma óptima sugestão para ler em férias, digo eu.
“O Teu Rosto Será o Último”, de João Ricardo Pedro, suscitou-me uma espécie de desassossego, desde que fiquei a saber da sua existência. Um desassossego com tudo o que de positivo a palavra contém. Um misto de ânsia e curiosidade em descobri-lo.
As críticas favoráveis de fontes próximas, fidedignas, deram o mote para o interesse despertar. Depois foi a história em torno do escritor: o Engenheiro Electrotécnico a quem o destino decidiu mostrar que um despedimento nem sempre é sinónimo de agrura e a determinação e o trabalho podem trazer boas contrapartidas.
Estava o desassossego instalado. Tinha de confirmar estas premissas.
Na véspera do último dia da Feira do Livro, lá vou, então, rumo a uma das muitas bancas onde este livro se podia encontrar em destaque.
No trajecto cruzei o olhar com o “Livro do Desassossego”, de Fernando Pessoa, e a irrefutável analogia fez-me sorrir (mal eu sabia que o meu desassossego por “O Teu Rosto Será o Último” não terminaria quando o começasse a ler).
Na 4ª Feira da última semana, ainda em estado de enamoramento por “Breakfast at Tiffany’s (Boneca de Luxo)”, de Truman Capote, chegou a oportunidade de, finalmente, abrir as hostilidades e ler o primeiro capítulo de “O Teu Rosto Será o Último”.
No dia seguinte li outros quatro, mais dos que o tempo livre me permitia. Apaguei a luz a contra-gosto, por causa desse 4º capítulo que teimei em ler, convencendo-me, interiormente, que seria “só mais um…”.
A partir daqui foi um desassossego constante: sempre a suspirar pela hora da leitura, por mais um capítulo, por mais uma descoberta, por ler sem parar.
O “só mais um…” tornou-se um mantra que só deixei de evocar no Domingo à tarde, quando cheguei ao fim.
Este livro bem português fala de várias idiossincrasias. Da guerra, da música, da pintura, da família...
Várias histórias dentro da mesma história, pedaços cronologicamente distintos e aparentemente díspares mas que se encaixam, só é preciso continuar a leitura e esperar que comece a fazer sentido.
Cada capítulo tem um final surpreendente, inquietante. Nalguns fiquei quase boquiaberta, em sobressalto, tamanho foi o horror ou a surpresa revelados.
Um livro que apaixonou tantos portugueses e que, desde a sua 1ª edição em Março do corrente ano, até agora, já conta com 6 edições e mais de 25000 exemplares vendidos.
O livro que também me apaixonou.
É incrível como um livro com pouco mais de cem páginas pode deixar uma marca tão forte, uma presença, uma afirmação. É o que sinto hoje.
Só ontem terminei “Breakfast at Tiffany’s (Boneca de Luxo)” e já tenho saudades dele, alguma nostalgia por ter chegado ao fim.
“Breakfast at Tiffany’s (Boneca de Luxo)” veio confirmar as minhas expectativas em relação a Truman Capote: que grande escritor!
Este livro, quase de bolso, é uma verdadeira “caixinha de surpresas”: imprevisível, nada monótono, altamente viciante.
Uma escrita bastante contemporânea, apesar de datar de meados do século passado e da história se desenrolar nessa altura. A forma como Capote se exprime é muito actual, atrevo-me até a dizer: está na moda!
Podia bem ter sido lançado recentemente e tornar-se num best-seller mundial do século XXI: a intemporalidade que só um artista consegue conferir à sua criação.
Foi o segundo livro que li deste autor e já tenho outros dois à espera, na prateleira. Vai ser difícil resistir-lhes mas a minha (quase) disciplina de leitura, sugere-me que dê oportunidade a outros nomes, não vá ficar demasiado presa a Truman Capote. A mesma regra que aplico quando leio Haruki Murakami e Gabriel García Márquez, os meus escritores favoritos.
Resta saber se este americano virá um dia a ocupar um lugar próximo dos outros dois, neste podium de preferências literárias.
“Boneca de Luxo”, de Truman Capote
Aproveito a dica de Truman Capote, em “Breakfast at Tiffany’s (Boneca de Luxo)” para, com um estilo parecido, vos desejar:
Quando li esta passagem de “Os Anos”, lembrei-me de “o apocalipse dos trabalhadores”. Não que a escrita e a narrativa tenham algo a ver... Não, de todo, mas porque os livros têm o poder de deixar boas recordações e, de repente, associamos episódios de escritas que, à partida, são completamente distintas.
Há personagens marcantes. Por exemplo: em Crosby, de Virginia woolf, vi maria da graça, de Valter Hugo Mãe.
“Os Anos”, de Virginia Woolf “o apocalipse dos trabalhadores”, de Valter Hugo Mãe
Interessante, não?
Salvaguardando, claro!, as devidas distâncias temporais e o "peso" de cada um dos escritores.
- “Da autora só tenho este” – e mostrou-me “Os Anos”.
- Esse, já tenho. Ando a lê-lo.
- “O que acha?... Confuso, não é?”, disse com um sorriso um tanto ou quanto inigmático.
- Estou a adorar, respondi.
- “Humm, li-o com muitas interrupções, se calhar foi isso...”
- Pois, é um livro que requer concentração e uma certa regularidade na leitura, caso contrário é fácil perder o fio à meada.
Este foi o diálogo que tive há dias com um livreiro da bancada da Presença, na Feira do Livro do Porto.
De facto, “Os Anos”, de Virginia Woolf, não é um livro fácil e sai ligeiramente do âmbito a que estamos habituados a ler nos romances tradicionais, mesmo nos clássicos, que tantas vezes surpreendem pela criatividade.
Os capítulos são compartimentados em anos: 1880, 1891, 1907, 1908, 1910, 1911, 1913, 1914, 1917, 1918, TEMPO PRESENTE. Embora desconhecendo a correspondência do tal “Tempo Presente” a que Virginia Woolf se refere, pela idade das personagens deduz-se que rondará o final da década de 30, início da de 40.
Ora, nestas quase quatrocentas páginas, temos um jorro de acontecimentos: num capítulo, conhecemos personagens, no outro, elas já morreram e destacam-se as gerações seguintes; passamos de personagens em tempos de criança para a idade adulta e velhice. O ritmo é aceleradíssimo, ou não houvesse “saltos” de décadas em alguns capítulos seguidos, como é o caso dos dois primeiros (complicado, de facto).
Na história, os maiores detalhes que a escritora oferece estão nos cenários, nas envolvências da narrativa e descreve-os de uma forma quase poética, um encanto. Estas descrições, ao contrário das de outros livros, não são nada monótonas mas sim a alma do romance.
Quanto às personagens e às suas histórias, Virgina Woolf dá apenas algumas pistas ao leitor, não aprofundando nem oferecendo informação em demasia, como se de uma receita se tratasse. Quantidades “qb”, já que bastam como fio condutor do enredo para conhecer as personagens e ligações entre elas.
A forma como a escritora expõe, é de mestre. Uma mera frase de um (poder-se-ia pensar) banal diálogo entre duas personagens transmite uma mensagem chave, fundamental para perceber a lacuna de tempo que não foi narrada ou o pormenor que não foi explicado.
Uma leitura que requer atenção e uma certa disciplina, compromissos que compensam bem, face ao resultado que esta escrita de génio nos proporciona.
Bom fim-de-semana!
55ª exposição internacional de arte
museu nacional soares dos reis
projecto arte de portas abertas
quantas madrugadas tem a noite